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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Isto é democracia

"O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a alteração do pré-nome e da designação de sexo de um transexual de São Paulo que realizou cirurgia de mudança de sexo. Ele não havia conseguido a mudança no registro junto à Justiça paulista e recorreu ao Tribunal Superior. A decisão da Terceira Turma do STJ é inédita porque garante que nova certidão civil seja feita sem que nela conste anotação sobre a decisão judicial. O registro de que a designação do sexo foi alterada judicialmente poderá figurar apenas nos livros cartorários."

Leia mais em:
http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1971676/transexual-consegue-alteracao-de-nome-e-genero-sem-registro-da-decisao-judicial-na-certidao



Esta postagem tem o objetivo de aplaudir os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que por unanimidade de votos, aprovaram a alteração do nome e do sexo no registro civil público de um transsexual de São Paulo, proporcionando uma bela demonstração de cidadania e de promoção da dignidade da pessoa humana. Cuida-se de acórdão, que merece todo o nosso louvor e o endosso da população brasileira, principalmente pela aplicação da interpretação conforme a Constituição.

Para os desatentos, presencia-se um marco histórico brasileiro, uma importante página da nossa história sendo escrita diante dos nossos olhos. A decisão do STJ é lapidar pelo sopro alvissareiro e de esperança de um mundo mais plural e com mais alteridade, onde o cidadão é respeitado simplesmente por sua condição de ser, não de ter. Não tenho dúvidas de que as gerações vindouras encararão esta decisão de hoje como algo trivial e desprovido de grande relevância, algo já banal dentro de seu conceito médio de normalidade, mas isso não passa de um reflexo do que nos mostra a experiência humana. Na maioria das vezes, os saltos qualitativos na existência humana neste planeta são devidos menos aos grandes acontecimentos e mais aos pequenos passos reiterados.

Com efeito, conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, aqueles que exercem função pública têm justamente esse poder-dever (que não é só um poder, mas também um dever) de promover a transformação social pela mudança de mentalidades, e não há meio mais rápido e eficaz de mudá-las, senão quando elas se dão pela via institucional. A "mão" do Estado é muito pesada e suas ações, queiramos ou não, têm reflexos muito agudos no seio da sociedade.

Meus sinceros aplausos aos ministros do STJ, outra vez.

Uma importante, porém não total, vitória da OAB

"O Tribunal Superior do Trabalho decidiu - por 17 votos a 7 - que o chamado "jus postulandi", previsto no artigo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e que permite a empregados e empregadores reclamar perante à Justiça do Trabalho desacompanhados de um advogado, não pode ser aplicado quando da apresentação de recursos de revista ou agravo de instrumento para o TST."

Leia mais em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1971685/vitoria-expressiva-da-oab-no-tst-acaba-com-a-busca-da-justica-sem-advogado


Parabéns à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pela vitória no Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas a luta ainda não acabou. Agora, precisamos trabalhar duro no sentido de extinguirmos completamente o jus postulandi dos trabalhadores nas instâncias inferiores, valorizando o trabalho da classe dos advogados e garantindo efetividade de Justiça. O art. 791 da CLT que prevê que "Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final", a nosso ver, em que pesem as opiniões divergentes, não foi recepcionado pela nossa Carta Magna. E isso se dá pelo fato de a Constituição de 1988, no art. 133, prever que o advogado é "indispensável à administração da Justiça", configurando-se como elemento imprescindível no exercício da jurisdição, devendo aquele artigo ser revogado, já que viola preceito fundamental.

Paralelamente a isso, deve a OAB direcionar seus esforços políticos ao nosso governo de modo que este promova um efetivo acesso à Defensoria Pública pela população brasileira, porquanto aquela é "instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados" (art. 134 da Constituição de 1988).

A Ordem tem o dever moral para com este país de lutar para estender a todos a garantia de que os interesses de cada cidadão brasileiro, do início ao fim do processo, será defendido de forma técnica e com qualidade, independentemente da condição social de quem esteja clamando por representação. E, portanto, não basta avocar para a classe dos advogados a prerrogativa de postular em juízo, mas deverá brigar perenemente para que aqueles que não possam pagar pelos serviços advocatícios tenham um defensor público que lhes respalde os seus interesses.

Um forte abraço.


domingo, 4 de outubro de 2009

O advogado de bandido

Não são raras as vezes que tive a oportunidade de observar um fenômeno peculiar relacionado ao ofício do advogado criminalista. Esses operadores do Direito recebem no cotidiano, velada ou explicitamente, denominações pejorativas, como "advogado de porta de cadeia", "advogado de bandido" etc. Os leigos, grosso modo, possuem um estranho senso de justiça e um curioso ranço inquisitorial do processo penal, eu diria. Possivelmente, a maior parcela desses descrentes da seriedade da advocacia correspondem também ao grupo dos que acreditam que a solução para os problemas da violência no Brasil está diretamente vinculada ao acirramento e a redução da lei e da maioridade penais, respectivamente, e a que a função do Ministério Público é acusar de forma desenfreada.

Primeiramente, é forçoso esclarecer que o "bandido" só é bandido de fato, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, do contrário é apenas um acusado ou suposto autor de fato criminoso, devemos, portanto, sempre nos nortear pelo direito fundamental à presunção de inocência (art. 5º, LVII da Constituição de 1988 e art. 8º, II do Pacto de São José da Costa Rica).

Em segundo lugar, o [bom] advogado não está ali para defender o bandido. O advogado presta serviço público e função social em seu ministério privado, como consta do estatuto da profissão (art. 2º, caput e § 1º). O causídico defenderá sempre a administração e o ideal de Justiça, pois é ele que, em um Estado Democrático de Direito, é o maior garantidor e reinvindicador do contraditório e da ampla defesa.

É dizer, não há Justiça sem advogado, uma vez que é esse profissional que zelará dentro do processo penal pela efetividade das garantias fundamentais, afastando o sentimento de vingança e permitindo a consolidação das instituições punitivas através do devido processo legal.

Quando o Supremo Tribunal Federal, em julgamento histórico, deu procedência, por maioria de votos, ao Habeas Corpus (HC) 84.078 para suspender os efeitos da decisão condenatória de 1ª instância, para que o réu pudesse recorrer às instâncias superiores em liberdade, o que estava em jogo era justamente a presunção de inocência, que deve existir em qualquer regime que se intitule democrático. E, é aí que a advocacia cumpre o seu papel social garantidor.

Precisamos ter em mente que a atuação do advogado não constitui uma afronta à sociedade, nem a torna um local mais inseguro. Na verdade, no cumprimento do seu mister, ele unicamente busca dar eficácia a direitos já previstos nessa mesma sociedade. Assim, a nobilíssima função do ad vocatus (em latim, 'aquele que é chamado' para interceder por aqueles que não têm voz ou já não podem fazer sua voz ser ouvida), será determinante para que sejam respeitados os direitos humanos do acusado e que este seja respeitado, pela sua condição humana, e reconhecido como um sujeito de direitos, ainda que culpado após o trânsito em julgado da ação penal.

Um forte abraço.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A suspensão de normas estaduais e municipais, à luz do art. 52, X da CRFB/1988

O Senado brasileiro desempenha importante papel na desacentuação das disparidades regionais dentro da federação. Diferentemente da Câmara dos Deputados, que é uma Casa constituída proporcionalmente ao número de habitantes no país; o Senado é composto por três senadores de cada Estado e do Distrito Federal, com mandatos de oito anos, renovados alternadamente por um e dois terços, de quatro em quatro anos. Sua relevância, na teoria, justifica-se pela voz que ele empresta às áreas de menor expressão política no país que, dependendo unicamente do sistema de proporcionalidade, invariavelmente seriam relegadas a um segundo plano nas decisões nacionais. Cumpre precipuamente a missão de garantir a homogeneidade no desenvolvimento das cinco regiões brasileiras, malgrado a praxis reiteradamente distorça esses valores e induza-nos a conclusões antagônicas.

O art. 52, X da CRFB/1988 define a competência do Senado para a suspender a lei declarada inconstitucional pelo STF, a saber:

"Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
[...]
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;"
A questão que emerge de tal preceito constitucional é: A quem caberia a suspensão da execução da lei estadual ou municipal declarada inconstitucional pelo STF? O fato é que não existem órgãos de função análoga a do Senado nos poderes legislativos em sedes estadual e municipal. É dizer, a bicameralidade toma lugar unicamente no âmbito federal, não havendo, pois, de se falar em violação ao pacto federativo (art. 1º, caput da CRFB/1988). Uma vez que não exista órgão legislativo designado para o exercício de tal atribuição, como já salientado, a interpretação da norma do art. 52, X da CRFB/1988 deve ser, destarte, extensiva.

Um parênteses, entretanto, há de ser colocado: Quando se fala no ato discricionário do Senado Federal para a suspensão das leis declaradas inconstitucionais, o entendimento, já pacificado pelo STF, é de que ele só se aplica ao controle de constitucionalidade por via incidental. Tendo sido declarada a inconstitucionalidade por via principal (ou concentrada), a decisão tem eficácia erga omnes e vinculante, per si basta para pulverizar do mundo jurídico os efeitos da norma impugnada, descabendo, pois, suscitar a conveniência e a oportunidade do Senado.

Por derradeiro, a corroborar o entendimento supra, o
ilustre constitucionalista prof. Luís Roberto Barroso aduz que:

"A despeito da dicção restritiva do art. 52, X, [...] a interpretação dada ao dispositivo tem sido extensiva, para incluir todos os atos normativos de quaisquer dos três níveis de poder, vale dizer, o Senado também suspende os atos estaduais e municipais."¹

¹BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2 ed. 4 tiragem. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 111.

sábado, 25 de julho de 2009

O racismo invertido e a inconstitucionalidade das cotas raciais

O Democratas (DEM), entrou com ação contra a reserva de vagas pelo sistema de cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB). De acordo com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, o partido defende que a reserva de vagas é um retorno ao nazismo. A liminar será julgada pelo STF.

As cotas raciais foram instituídas pela UnB no dia 17 de julho de 2009, sendo válido para o 2º vestibular promovido pela instituição neste ano. A decisão determina a reserva de 20% das vagas nos vestibulares para candidatos negros.


Leia mais em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1574165/partido-ajuiza-acao-contra-o-sistema-de-cotas-raciais-instituido-por-universidades-publicas


A
Constituição da República Federativa do Brasil tem como um de seus objetivos fundamentais "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º, IV) e assim garantiu que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" (art. 5º, cabeça).

Todavia, como resultado de uma evolução jurídica essa garantia constitucional que se convencionou chamar de princípio da isonomia de tratamento foi entendida pela doutrina como insuficiente. Estabeleceu-se, assim, uma importante dicotomia: a isonomia formal e a isonomia material. Hoje, é ponto pacífico que o tratamento igualitário não é suficiente para atender aos anseios de um Estado Democrático de Direito (isonomia formal). Destarte, é preciso dar tratamento igual aos iguais e tratamento desigual aos desiguais, de sorte que todos alcancem um patamar equânime de oportunidades (isonomia material).

Não obstante o evidente exagero
cometido pelo Partido Democratas (DEM) na comparação da decisão de instituir cotas com um retorno ao nazismo, essa medida é de fato um enorme retrocesso. O princípio da isonomia de tratamento, consagrado pela Constituição Cidadã, com a devida vênia, não pode ser invocado para endossar práticas discriminatórias unicamente para estabelecer privilégios com base em argumentações frágeis.

Decerto que algumas etnias, particularmente os negros, foram, de um modo geral, historicamente segregadas e marginalizadas pelas classes dominantes, fenômeno não exclusivo do Brasil. Contudo a quem caberá pagar esse débito? É justo que essa "dívida histórica", se é que se possa chamar assim, seja paga pelo povo de hoje?

Creio que a questão racial deixou há muito tempo de ser um fator de desequilíbrio na realidade brasileira. Qual desvantagem efetivamente teria um candidato negro de disputar vagas em um vestibular? Ele é inferior a qualquer outro candidato por isso? Na sua prova, por acaso, vem discriminada a sua raça de modo que o examinador possa preteri-lo por um outro candidato branco?

Poder-se-ia argumentar que a população negra é predominante nas classes menos favorecidas e que por esse motivo estaria estatisticamente mais propensa ao insucesso. Bem, então o que se nota é que o problema é de cunho social, não étnico. Assim, a questão seria tratada de forma mais honesta se as cotas fossem exclusivamente para os extratos carentes da sociedade brasileira. Dá para sustentar que os negros pobres estão em condições mais adversas que os brancos igualmente pobres? E o que diremos então dos negros ricos (sim, eles existem): Devem ser dadas condições especiais a eles, em detrimento de eventuais candidatos brancos desafortunados e em maior carestia? Sinceramente, para todas as perguntas entendo que não.

Outrossim, é no mínimo curioso observar essa tendência de determinação racial num país como o nosso. Diferentemente dos Estados Unidos, berço das políticas afirmativas e onde a segregação racial era institucional há poucas décadas, o Brasil é uma nação de grande miscigenação, marcada pela harmonia e integração das etnias que a compõe. Nesse sentido, se as fichas de inscrição estipulam como critério definidor racial a autodeclaração do candidato, em quais bases as bancas avaliadoras têm-se pautado para (in)validar tais declarações? Como aferir quem é branco, pardo, negro, amarelo etc?

Está patente que não existe um método científico para isso, é tudo feito no "achismo", de maneira arbitrária e, por essa razão, várias injustiças já foram denunciadas pelos veículos de comunicação. Um exemplo recente é o caso dos irmãos gêmeos idênticos, noticiado pela edição de 4 de março de 2009 da Revista Veja, em que um deles foi considerado negro e o outro, pasmem, não.

Enfim, ninguém olvida o dever constitucional do Estado brasileiro de desacentuar e reparar as desigualdades decorrentes da perversão do sistema, contudo essa atuação precisa ocorrer sob bases justas, visando salvaguardar os direitos dos oprimidos. Dentro dessa ótica, portanto, as cotas raciais apenas invertem os polos do racismo, ferindo a Constituição por atentarem contra o princípio da isonomia, e urgem para serem revogadas.

Um forte abraço.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Marcha da Maconha: apologia ao crime ou liberdade de expressão?

Brasília - A Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) duas ações com o objetivo de suspender decisões judiciais que proibiram atos públicos pró-legalização das drogas. As ações foram protocoladas ontem (21) pela até então procuradora-geral em exercício Deborah Duprat.
Leia mais em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1576326/pgr-vai-ao-supremo-contra-proibicao-de-eventos-pro-legalizacao-das-drogas


Na última terça-feira, voltou à tona a polêmica sobre a Marcha da Maconha. Alegam seus defensores estarem protegidos pela garantia fundamental à liberdade de expressão; seus opositores, entretanto, aduzem ser nada menos que uma manifestação criminosa coletiva, mais especificamente a de apologia ao crime.

A bem da verdade, sou um defensor confesso da liberdade de expressão, desde que devidamente identificada, sendo dever do Estado garantir o direito de resposta, proporcional ao agravo, bem como a reparação por eventuais danos que venham a ser comprovados. A meu ver, é inconcebível uma liberdade mitigada: Ou bem ela se manifesta em sua plenitude, ou ela é simplesmente inexistente.

Dentro de uma concepção de Direito Penal minimal e garantista, penso que o tratamento dispensado às questões juridicamente relevantes a essa seara deveria ocorrer sempre de modo residual. Por conta da obsolescência do nosso inflado Código Penal, muitas condutas típicas perfeitamente solucionáveis noutros ramos jurídicos menos onerosos continuam objeto da preocupação deste (v.g., os crimes contra a honra).

Nessa medida, o exercício do livre manifestar do pensamento deve ser respeitado, até mesmo fomentado, pois é com o confronto de idéias que a dinâmica social realiza seu papel transformador. Assim, negar que uma pessoa defenda suas convicções é um posicionamento que beira o absurdo, que vai na contramão da história.

Ora, se o poder emana do povo nada mais justo que o povo seja livre para se associar com fins pacíficos com o intento de deliberar acerca da continuidade da ordem normativa vigente e isso nunca poderá ser confundido com apologia ao crime (outro exemplo de anacronismo penal). A Marcha da Maconha, portanto, presta-se a esse papel questionador que, concordemos ou não com as ideias por ela ventiladas, alimenta a dinâmica das relações humanas.

Primeiro, abre-se o debate, depois mudam-se as leis; e, finalmente, o que antes era ilegal, torna-se legal.

Um forte abraço.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O controle por via incidental na ação civil pública

Recentemente, de uma conversa informal de internet com uma amiga da faculdade uma interessante questão emergiu. Ela falava do seu projeto de monografia, cujo tema é a legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública, quando me indagou sobre a eficácia da decisão do controle por via incidental na ação civil pública.

Num primeiro momento, confesso que não visualizei a pertinência da questão, razão pela qual respondi-lhe que não vislumbrava grande diferença do controle difuso ocorrido nela (ação civil pública) para o das demais.

Intrigado, inquiri a minha interlocutora sobre o que a levou a tal raciocínio. Ela, então, colocou-me diante do seguinte caso concreto:

"Suponhamos que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro promulgue uma lei, dispondo que é desnecessário qualquer rigor para a veiculação de propagandas em vias públicas, podendo elas ser feitas de qualquer modo. A completa desatenção da lei estadual às normas de Direito Ambiental gera uma situação caótica, com a poluição visual no Estado chegando a níveis insustentáveis, o que leva o Ministério Público Estadual a ingressar com uma ação civil pública de responsabilidade por danos morais e patrimoniais ao meio ambiente. No bojo da peça, o Parquet, por via incidental, questiona a constitucionalidade da referida lei, alegando afronta ao art. 225 da Carta Magna e ao princípio da dignidade da pessoa humana. O plenário do Tribunal de Justiça, ao julgar a questão incidente, reconhece a inconstitucionalidade da norma impugnada.".

É cediço que a decisão do controle difuso tem eficácia inter partes, justamente porque debate-se um caso concreto, onde há partes envolvidas com interesses quase sempre conflitantes. Ao contrário, no controle por via principal ou concentrado não há litígio, não existem partes interessadas, mas tão-somente preconiza-se o paradigma kelseniano da hierarquia das normas jurídicas, consequentemente a defesa da ordem constitucional.

Todavia, se atentarmos para a natureza transindividual das ações civis públicas, possivelmente estaremos diante de uma figura sui generis de controle por via incidental. Pergunta: Quantos são os indivíduos atingidos pelos efeitos de uma decisão exarada numa ação civil pública? Para fins teóricos, imaginemos que todos os habitantes de uma dada localidade onde foi ajuizada a ação.

Nesse caso, a decisão declaratória incidental de inconstitucionalidade, que na teoria teria eficácia restrita às partes envolvidas, na prática terá efeito erga omnes, dado o caráter difuso da lide.

Interessante, não?

Parabéns à minha amiga pelo belo insight!

terça-feira, 23 de junho de 2009

Burcas: liberdade religiosa x dignidade da pessoa humana

PARIS - O presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse nesta segunda-feira que as burcas, vestimenta que cobre todo o corpo da mulher, dos pés à cabeça, escondendo seu rosto, não têm lugar na França, já que são um símbolo de 'subjugação da mulher'. Durante um discurso solene ao Parlamento sobre uma ampla gama de assuntos, Sarkozy apoiou uma iniciativa lançada na semana passada por parlamentares que expressaram preocupação com o crescente uso de burcas na França.

Leia mais em: http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2009/06/22/burcas-nao-tem-lugar-na-franca-diz-sarkozy-756447697.asp
A declaração do presidente francês Nicolas Sarkozy ontem reavivou uma grande discussão que parecia adormecida com a lei de 2004 que proibiu o uso de véus e/ou quaisquer outros símbolos religiosos explícitos no interior das escolas públicas daquele país. O cerne da controvérsia atual repousa no uso das burcas por mulheres muçulmanas na França. Segundo Sarkozy, tais vestimentas não são uma questão religiosa, mas, sim, um atentado contra a dignidade da pessoa humana e uma forma de afirmar a inferioridade feminina diante dos homens.

No início do corrente século, o mundo de um modo geral vem experimentando um recrudescimento dos fundamentalismos religiosos e o consequente acirramento dessas velhas práticas com os regimes democráticos do ocidente. A questão que se coloca parece-me demasiadamente óbvia: de um lado, temos a liberdade religiosa; do outro, a dignidade da pessoa humana.

Não é novidade alguma o confronto da liberdade religiosa com outros direitos, bastando um breve esforço para que recordemos casos no mundo todo, como: a recusa dos testemunhos de Jeová de receberem transfusão de sangue, colidindo com o direito indisponível à vida; o sacrifício da vida animal pelas religiões africanas chocando-se com a questão da liberdade de cultos; e, por aí vai.

Como se soluciona, então, o conflito de interesses que se instaurou? A meu ver, é no princípio da ponderação de interesses que encontraremos os subsídios adequados para a ultrapassagem desta celeuma. Lancemos, pois, as bases...

Primeiramente, cumpre salientar que a nossa Constituição Federal de 1988 reconheceu a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a liberdade religiosa (art. 5º, VI) como princípio e garantia fundamentais de Estado, respectivamente. Nesse diapasão, é oportuno lembrar que não existe hierarquia normativa entre dispositivos constitucionais, devendo, assim, ser sumariamente desconsiderado qualquer critério exclusivamente objetivo para o tratamento deste tema.


No entanto, trata-se de caso estrangeiro, cuja resolução dar-se-á fazendo uso de ordenamento jurídico alienígena (o francês, evidentemente), pelo que a análise sob o prisma do direito comparado será atécnica e inapropriada. Desse modo, vou-me permitir transportar o problema para o plano hipotético.

A França, assim como o Brasil (art. 19, I, CRFB/1988), é um Estado laico, por excelência, o que significa dizer, grosso modo, que a vinculação desse com as religiões será unicamente no sentido de lhes reconhecer a existência e de garantir o exercício efetivo dos direitos daí decorrentes
aos seus cidadãos.

Sobre o laicismo estatal, existem duas abordagens distintas:


1) Inclusiva - Caracterizada por um forte ecumenismo, procura abarcar todos os credos nos atos, práticas e órgãos oficiais do Estado, de modo a preterir ninguém (modelo adotado pelo Brasil);

2) Restritiva - Consiste na completa desassociação de crenças com quaisquer
atos, práticas e órgãos oficiais do Estado, de modo que pela exclusão de todos, ninguém é favorecido (modelo adotado pela França) - para mim, a mais salutar.

Com efeito, a França, na questão do uso dos véus nas salas de aula das escolas públicas, já sinalizava o caminho que seria adotado. À época, aplaudi a decisão tomada pelo governo francês, por entendê-la coerente com a linha restritiva que se assumia, já que, na minha análise, não havia cerceamento de fé, antes uma garantia de respeito ao princípio da isonomia de tratamento. O fato é que as escolas públicas são - como diz o nome - públicas e, por isso mesmo, devem servir a coletividade sem distinções entre A ou B.

Contudo, o problema agora é outro.

Por se tratar de um país democrático, pressupõe-se que o uso das burcas na França é fruto de uma opção pessoal, não uma imposição. É um costume da mulher muçulmana que deve ser entendido como uma expressão de foro íntimo e tratado por isso com o respeito que merece. A fala do presidente Sarkozy foi extremamente infeliz, eivada de etnocentrismo e atentatória contra as liberdades individuais.

É preciso respeito com as diversidades, inclusive as religiosas, e impedir que se mascare o preconceito sob outras denominações. Baseado em quais parâmetros podemos afirmar que o uso de burcas é feito para subjugar ou inferiorizar a mulher? Alguém logo irá dizer: -Ah, mas é fato que o islã trata a mulher muçulmana como submissa!

Sim, é verdade, todavia não noto a mesma mobilização para apontarem os dedos contra a violação da dignidade humana da mulher em passagens bíblicas que rumam a mesma trilha, a saber:

"Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao senhor" (Efésios-5:22).

"As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja" (1 Corintio-14:35-36).

Para além dessa contradição, vejo nas burcas uma forma diferente até de preservar a mulher de ser tratada como um objeto, com muito mais dignidade até do que essas mulheres-melancias da vida.

Para concluir, entendo que toda generalização é burra e deve ser rechaçada na mesma intensidade. Ninguém deve ser proibido de se trajar consoante a própria vontade e na eventual constatação de que a vestimenta está sendo aplicada como fruto de uma imposição que se recaia sobre os constrangedores todo o rigor da lei.

Um forte abraço.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

STF decide que a obrigatoriedade do diploma para jornalista é inconstitucional.

O plenário do STF decidiu ontem, por 8 votos a 1, que a obrigatoriedade do diploma para jornalista era inconstitucional. Os ministros do STF aceitaram o recurso interposto pelo Sertesp (Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo) e Ministério Público Federal contra a obrigatoriedade do diploma. Para o STF, a profissão de jornalista não exige nenhum saber específico.

Leia mais em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1369881/mendes-diz-que-stf-podera-se-manifestar-sobre-exigencia-de-diploma-em-outras-profissoes


Inaugurando o blog Direito Subjetivo, venho debater a recente declaração de inconstitucionalidade da exigência de diploma para a profissão de jornalista.

Inicialmente, entendo que o exercício de uma profissão é um direito que todo cidadão livre num país democrático deve ter. Entretanto, algumas profissões (em especial as de ordem pública) exigem por sua natureza peculiar a necessidade de uma formação técnica para o correto adequado desempenho de suas funções, o que foi argumentado nos votos dos ministros que pugnaram pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da norma federal.

Quando se regulamenta o exercício de uma profissão por lei se o faz tão-somente colimando o interesse público, do contrário soaria como instrumento de reserva de mercado o que não pode ser aceito.

É evidente que o conhecimento técnico passado nas academias de comunicação social do país é útil, qualificador e distinto, mas é prescindível para se veicular notícias? Ao meu ver, sim.

Os únicos dois fatores adversos deste posicionamento adotado pela nossa Suprema Corte que eu julgo serem passíveis de futuras controvérsias são:

1) Com uma profissão regulamentada, o mau profissional, entendido como aquele que age deliberadamente com falta de ética e rigor técnico necessário para o bom desempenho da função pode ser devidamente sancionado e, até mesmo, proibido de atuar. É como ocorre na advocacia em situações de patrocínio infiel e na medicina quando do erro médico, para ficar em alguns exemplos.

2) Como definir com exatidão quais graduações de fato são essenciais para se adquirir um conhecimento técnico que se imponha de modo inafastável para o bom exercício profissional? Mais ainda, com quais bases pode um jurista (ministros do STF) que, via de regra, não tem formação nessas outras todas profissões determinar isso?

Enfim, acho que a questão caminha por aí e, no mais, concordo com a Suprema Corte que, mais uma vez, guardou de modo inapelável nossa Carta de Direitos.

Um forte abraço.