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terça-feira, 23 de junho de 2009

Burcas: liberdade religiosa x dignidade da pessoa humana

PARIS - O presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse nesta segunda-feira que as burcas, vestimenta que cobre todo o corpo da mulher, dos pés à cabeça, escondendo seu rosto, não têm lugar na França, já que são um símbolo de 'subjugação da mulher'. Durante um discurso solene ao Parlamento sobre uma ampla gama de assuntos, Sarkozy apoiou uma iniciativa lançada na semana passada por parlamentares que expressaram preocupação com o crescente uso de burcas na França.

Leia mais em: http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2009/06/22/burcas-nao-tem-lugar-na-franca-diz-sarkozy-756447697.asp
A declaração do presidente francês Nicolas Sarkozy ontem reavivou uma grande discussão que parecia adormecida com a lei de 2004 que proibiu o uso de véus e/ou quaisquer outros símbolos religiosos explícitos no interior das escolas públicas daquele país. O cerne da controvérsia atual repousa no uso das burcas por mulheres muçulmanas na França. Segundo Sarkozy, tais vestimentas não são uma questão religiosa, mas, sim, um atentado contra a dignidade da pessoa humana e uma forma de afirmar a inferioridade feminina diante dos homens.

No início do corrente século, o mundo de um modo geral vem experimentando um recrudescimento dos fundamentalismos religiosos e o consequente acirramento dessas velhas práticas com os regimes democráticos do ocidente. A questão que se coloca parece-me demasiadamente óbvia: de um lado, temos a liberdade religiosa; do outro, a dignidade da pessoa humana.

Não é novidade alguma o confronto da liberdade religiosa com outros direitos, bastando um breve esforço para que recordemos casos no mundo todo, como: a recusa dos testemunhos de Jeová de receberem transfusão de sangue, colidindo com o direito indisponível à vida; o sacrifício da vida animal pelas religiões africanas chocando-se com a questão da liberdade de cultos; e, por aí vai.

Como se soluciona, então, o conflito de interesses que se instaurou? A meu ver, é no princípio da ponderação de interesses que encontraremos os subsídios adequados para a ultrapassagem desta celeuma. Lancemos, pois, as bases...

Primeiramente, cumpre salientar que a nossa Constituição Federal de 1988 reconheceu a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a liberdade religiosa (art. 5º, VI) como princípio e garantia fundamentais de Estado, respectivamente. Nesse diapasão, é oportuno lembrar que não existe hierarquia normativa entre dispositivos constitucionais, devendo, assim, ser sumariamente desconsiderado qualquer critério exclusivamente objetivo para o tratamento deste tema.


No entanto, trata-se de caso estrangeiro, cuja resolução dar-se-á fazendo uso de ordenamento jurídico alienígena (o francês, evidentemente), pelo que a análise sob o prisma do direito comparado será atécnica e inapropriada. Desse modo, vou-me permitir transportar o problema para o plano hipotético.

A França, assim como o Brasil (art. 19, I, CRFB/1988), é um Estado laico, por excelência, o que significa dizer, grosso modo, que a vinculação desse com as religiões será unicamente no sentido de lhes reconhecer a existência e de garantir o exercício efetivo dos direitos daí decorrentes
aos seus cidadãos.

Sobre o laicismo estatal, existem duas abordagens distintas:


1) Inclusiva - Caracterizada por um forte ecumenismo, procura abarcar todos os credos nos atos, práticas e órgãos oficiais do Estado, de modo a preterir ninguém (modelo adotado pelo Brasil);

2) Restritiva - Consiste na completa desassociação de crenças com quaisquer
atos, práticas e órgãos oficiais do Estado, de modo que pela exclusão de todos, ninguém é favorecido (modelo adotado pela França) - para mim, a mais salutar.

Com efeito, a França, na questão do uso dos véus nas salas de aula das escolas públicas, já sinalizava o caminho que seria adotado. À época, aplaudi a decisão tomada pelo governo francês, por entendê-la coerente com a linha restritiva que se assumia, já que, na minha análise, não havia cerceamento de fé, antes uma garantia de respeito ao princípio da isonomia de tratamento. O fato é que as escolas públicas são - como diz o nome - públicas e, por isso mesmo, devem servir a coletividade sem distinções entre A ou B.

Contudo, o problema agora é outro.

Por se tratar de um país democrático, pressupõe-se que o uso das burcas na França é fruto de uma opção pessoal, não uma imposição. É um costume da mulher muçulmana que deve ser entendido como uma expressão de foro íntimo e tratado por isso com o respeito que merece. A fala do presidente Sarkozy foi extremamente infeliz, eivada de etnocentrismo e atentatória contra as liberdades individuais.

É preciso respeito com as diversidades, inclusive as religiosas, e impedir que se mascare o preconceito sob outras denominações. Baseado em quais parâmetros podemos afirmar que o uso de burcas é feito para subjugar ou inferiorizar a mulher? Alguém logo irá dizer: -Ah, mas é fato que o islã trata a mulher muçulmana como submissa!

Sim, é verdade, todavia não noto a mesma mobilização para apontarem os dedos contra a violação da dignidade humana da mulher em passagens bíblicas que rumam a mesma trilha, a saber:

"Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao senhor" (Efésios-5:22).

"As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja" (1 Corintio-14:35-36).

Para além dessa contradição, vejo nas burcas uma forma diferente até de preservar a mulher de ser tratada como um objeto, com muito mais dignidade até do que essas mulheres-melancias da vida.

Para concluir, entendo que toda generalização é burra e deve ser rechaçada na mesma intensidade. Ninguém deve ser proibido de se trajar consoante a própria vontade e na eventual constatação de que a vestimenta está sendo aplicada como fruto de uma imposição que se recaia sobre os constrangedores todo o rigor da lei.

Um forte abraço.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

STF decide que a obrigatoriedade do diploma para jornalista é inconstitucional.

O plenário do STF decidiu ontem, por 8 votos a 1, que a obrigatoriedade do diploma para jornalista era inconstitucional. Os ministros do STF aceitaram o recurso interposto pelo Sertesp (Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo) e Ministério Público Federal contra a obrigatoriedade do diploma. Para o STF, a profissão de jornalista não exige nenhum saber específico.

Leia mais em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1369881/mendes-diz-que-stf-podera-se-manifestar-sobre-exigencia-de-diploma-em-outras-profissoes


Inaugurando o blog Direito Subjetivo, venho debater a recente declaração de inconstitucionalidade da exigência de diploma para a profissão de jornalista.

Inicialmente, entendo que o exercício de uma profissão é um direito que todo cidadão livre num país democrático deve ter. Entretanto, algumas profissões (em especial as de ordem pública) exigem por sua natureza peculiar a necessidade de uma formação técnica para o correto adequado desempenho de suas funções, o que foi argumentado nos votos dos ministros que pugnaram pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da norma federal.

Quando se regulamenta o exercício de uma profissão por lei se o faz tão-somente colimando o interesse público, do contrário soaria como instrumento de reserva de mercado o que não pode ser aceito.

É evidente que o conhecimento técnico passado nas academias de comunicação social do país é útil, qualificador e distinto, mas é prescindível para se veicular notícias? Ao meu ver, sim.

Os únicos dois fatores adversos deste posicionamento adotado pela nossa Suprema Corte que eu julgo serem passíveis de futuras controvérsias são:

1) Com uma profissão regulamentada, o mau profissional, entendido como aquele que age deliberadamente com falta de ética e rigor técnico necessário para o bom desempenho da função pode ser devidamente sancionado e, até mesmo, proibido de atuar. É como ocorre na advocacia em situações de patrocínio infiel e na medicina quando do erro médico, para ficar em alguns exemplos.

2) Como definir com exatidão quais graduações de fato são essenciais para se adquirir um conhecimento técnico que se imponha de modo inafastável para o bom exercício profissional? Mais ainda, com quais bases pode um jurista (ministros do STF) que, via de regra, não tem formação nessas outras todas profissões determinar isso?

Enfim, acho que a questão caminha por aí e, no mais, concordo com a Suprema Corte que, mais uma vez, guardou de modo inapelável nossa Carta de Direitos.

Um forte abraço.