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domingo, 4 de outubro de 2009

O advogado de bandido

Não são raras as vezes que tive a oportunidade de observar um fenômeno peculiar relacionado ao ofício do advogado criminalista. Esses operadores do Direito recebem no cotidiano, velada ou explicitamente, denominações pejorativas, como "advogado de porta de cadeia", "advogado de bandido" etc. Os leigos, grosso modo, possuem um estranho senso de justiça e um curioso ranço inquisitorial do processo penal, eu diria. Possivelmente, a maior parcela desses descrentes da seriedade da advocacia correspondem também ao grupo dos que acreditam que a solução para os problemas da violência no Brasil está diretamente vinculada ao acirramento e a redução da lei e da maioridade penais, respectivamente, e a que a função do Ministério Público é acusar de forma desenfreada.

Primeiramente, é forçoso esclarecer que o "bandido" só é bandido de fato, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, do contrário é apenas um acusado ou suposto autor de fato criminoso, devemos, portanto, sempre nos nortear pelo direito fundamental à presunção de inocência (art. 5º, LVII da Constituição de 1988 e art. 8º, II do Pacto de São José da Costa Rica).

Em segundo lugar, o [bom] advogado não está ali para defender o bandido. O advogado presta serviço público e função social em seu ministério privado, como consta do estatuto da profissão (art. 2º, caput e § 1º). O causídico defenderá sempre a administração e o ideal de Justiça, pois é ele que, em um Estado Democrático de Direito, é o maior garantidor e reinvindicador do contraditório e da ampla defesa.

É dizer, não há Justiça sem advogado, uma vez que é esse profissional que zelará dentro do processo penal pela efetividade das garantias fundamentais, afastando o sentimento de vingança e permitindo a consolidação das instituições punitivas através do devido processo legal.

Quando o Supremo Tribunal Federal, em julgamento histórico, deu procedência, por maioria de votos, ao Habeas Corpus (HC) 84.078 para suspender os efeitos da decisão condenatória de 1ª instância, para que o réu pudesse recorrer às instâncias superiores em liberdade, o que estava em jogo era justamente a presunção de inocência, que deve existir em qualquer regime que se intitule democrático. E, é aí que a advocacia cumpre o seu papel social garantidor.

Precisamos ter em mente que a atuação do advogado não constitui uma afronta à sociedade, nem a torna um local mais inseguro. Na verdade, no cumprimento do seu mister, ele unicamente busca dar eficácia a direitos já previstos nessa mesma sociedade. Assim, a nobilíssima função do ad vocatus (em latim, 'aquele que é chamado' para interceder por aqueles que não têm voz ou já não podem fazer sua voz ser ouvida), será determinante para que sejam respeitados os direitos humanos do acusado e que este seja respeitado, pela sua condição humana, e reconhecido como um sujeito de direitos, ainda que culpado após o trânsito em julgado da ação penal.

Um forte abraço.

Um comentário:

Sergio G. M. Rodrigues Jr. disse...

Caro Vinícius,
Eis uma postagem que deveria ser difundida aos quatro cantos, dada a irrecusável importância do tema. Advogo na área criminal há 32 anos e conheço bem o risco que corremos quando lutamos em prol do direito à ampla defesa que a Constituição assegura a todo e qualquer acusado. Não poucas vezes sofri discriminação e ameaças por lutar, em último caso, pelo Estado Democrático de Direito e as garantias que asseguram. Os julgamentos precipitados de nossa atuação sempre olvidam a advertência de Ruy Barbosa: o direito que não protege o meu inimigo, não me protege. Um abraço.

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