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sábado, 25 de julho de 2009

O racismo invertido e a inconstitucionalidade das cotas raciais

O Democratas (DEM), entrou com ação contra a reserva de vagas pelo sistema de cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB). De acordo com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, o partido defende que a reserva de vagas é um retorno ao nazismo. A liminar será julgada pelo STF.

As cotas raciais foram instituídas pela UnB no dia 17 de julho de 2009, sendo válido para o 2º vestibular promovido pela instituição neste ano. A decisão determina a reserva de 20% das vagas nos vestibulares para candidatos negros.


Leia mais em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1574165/partido-ajuiza-acao-contra-o-sistema-de-cotas-raciais-instituido-por-universidades-publicas


A
Constituição da República Federativa do Brasil tem como um de seus objetivos fundamentais "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º, IV) e assim garantiu que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" (art. 5º, cabeça).

Todavia, como resultado de uma evolução jurídica essa garantia constitucional que se convencionou chamar de princípio da isonomia de tratamento foi entendida pela doutrina como insuficiente. Estabeleceu-se, assim, uma importante dicotomia: a isonomia formal e a isonomia material. Hoje, é ponto pacífico que o tratamento igualitário não é suficiente para atender aos anseios de um Estado Democrático de Direito (isonomia formal). Destarte, é preciso dar tratamento igual aos iguais e tratamento desigual aos desiguais, de sorte que todos alcancem um patamar equânime de oportunidades (isonomia material).

Não obstante o evidente exagero
cometido pelo Partido Democratas (DEM) na comparação da decisão de instituir cotas com um retorno ao nazismo, essa medida é de fato um enorme retrocesso. O princípio da isonomia de tratamento, consagrado pela Constituição Cidadã, com a devida vênia, não pode ser invocado para endossar práticas discriminatórias unicamente para estabelecer privilégios com base em argumentações frágeis.

Decerto que algumas etnias, particularmente os negros, foram, de um modo geral, historicamente segregadas e marginalizadas pelas classes dominantes, fenômeno não exclusivo do Brasil. Contudo a quem caberá pagar esse débito? É justo que essa "dívida histórica", se é que se possa chamar assim, seja paga pelo povo de hoje?

Creio que a questão racial deixou há muito tempo de ser um fator de desequilíbrio na realidade brasileira. Qual desvantagem efetivamente teria um candidato negro de disputar vagas em um vestibular? Ele é inferior a qualquer outro candidato por isso? Na sua prova, por acaso, vem discriminada a sua raça de modo que o examinador possa preteri-lo por um outro candidato branco?

Poder-se-ia argumentar que a população negra é predominante nas classes menos favorecidas e que por esse motivo estaria estatisticamente mais propensa ao insucesso. Bem, então o que se nota é que o problema é de cunho social, não étnico. Assim, a questão seria tratada de forma mais honesta se as cotas fossem exclusivamente para os extratos carentes da sociedade brasileira. Dá para sustentar que os negros pobres estão em condições mais adversas que os brancos igualmente pobres? E o que diremos então dos negros ricos (sim, eles existem): Devem ser dadas condições especiais a eles, em detrimento de eventuais candidatos brancos desafortunados e em maior carestia? Sinceramente, para todas as perguntas entendo que não.

Outrossim, é no mínimo curioso observar essa tendência de determinação racial num país como o nosso. Diferentemente dos Estados Unidos, berço das políticas afirmativas e onde a segregação racial era institucional há poucas décadas, o Brasil é uma nação de grande miscigenação, marcada pela harmonia e integração das etnias que a compõe. Nesse sentido, se as fichas de inscrição estipulam como critério definidor racial a autodeclaração do candidato, em quais bases as bancas avaliadoras têm-se pautado para (in)validar tais declarações? Como aferir quem é branco, pardo, negro, amarelo etc?

Está patente que não existe um método científico para isso, é tudo feito no "achismo", de maneira arbitrária e, por essa razão, várias injustiças já foram denunciadas pelos veículos de comunicação. Um exemplo recente é o caso dos irmãos gêmeos idênticos, noticiado pela edição de 4 de março de 2009 da Revista Veja, em que um deles foi considerado negro e o outro, pasmem, não.

Enfim, ninguém olvida o dever constitucional do Estado brasileiro de desacentuar e reparar as desigualdades decorrentes da perversão do sistema, contudo essa atuação precisa ocorrer sob bases justas, visando salvaguardar os direitos dos oprimidos. Dentro dessa ótica, portanto, as cotas raciais apenas invertem os polos do racismo, ferindo a Constituição por atentarem contra o princípio da isonomia, e urgem para serem revogadas.

Um forte abraço.

Um comentário:

Sergio G. M. Rodrigues Jr. disse...

Caro Vinícius,
Concordo inteiramente com você. Esse problema das cotas raciais apenas confirma nossa vocação de macaco de imitação dos grandes centros. A discriminação que se enraizou na alma do brasileiro não é de origem étnica, mas sócio-econômica. As crianças oriundas dos segmentos mais desassistidos da população não têm acesso a uma educação de mínima qualidade, o que lhes vai impedir de ter acesso a uma qualidade de vida substancial no futuro. Cotas não devem ser para negros, mas para os mais pobres, aqueles que dependem do Estado para obter conhecimento. Vim de uma família de recursos e passei para a Faculdade de Direito da UERJ. A imensa maioria de meus colegas também vinha de famílias privilegiadas. Para as faculdades particulares passavam (anos 70)aqueles que não tinham condições de disputar em condições de igualdade o vestibular. Imagine quantos não desistiram no caminho, por não poder pagar os estudos.

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