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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A inconstitucionalidade do condicionamento do licenciamento anual de veículos ao pagamento das multas de trânsito

Resumo

O presente artigo tem o escopo de demonstrar que o expediente adotado, com fulcro nos artigos 124, inciso VIII; 128; 131, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), pelo Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (DETRAN-RJ) de condicionar o licenciamento anual de veículos automotores ao pagamento das multas de trânsito, ainda que o respectivo processo administrativo haja transitado em julgado, é inconstitucional.

Do devido processo legal

Pedra angular do Estado democrático de direito, o princípio do devido processo legal é um direito humano de primeira geração o qual remonta à Inglaterra da Idade Média. Conta a história que o Rei João Sem-Terra, no intuito de fazer frente às vultosas despesas com a Guerra dos Cem Anos, elevou excessivamente a carga tributária sobre os seus súditos, impondo, inclusive, pena de confisco em caso de não pagamento. Em 1215, revoltados com a arbitrariedade monárquica, a nobreza e o clero ingleses reuniram-se para obrigar o rei a assinar uma carta de compromissos políticos a qual tinha como objetivo limitar os poderes régios, em especial o poder de tributar. Essas limitações estabelecidas na Magna Carta, nome pelo qual esse compromisso ficou conhecido, posteriormente foram adotadas por diversas cartas de direitos de outras nações, sendo apontada, por muitos, como o embrião do atual princípio do devido processo legal.

Entre nós, esse princípio foi consagrado explicitamente no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988 (CRFB), in verbis: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Anteriormente, ele se encontrava em nossa ordem jurídica apenas de modo implícito.

Disso podemos extrair que se, por um lado, a Lei Maior confere à Administração Pública o ius imperii, por outro lado, veda-lhe o arbitrarismo. É dizer, a Administração detém o monopólio do poder de polícia, porém o seu exercício só será considerado regular "quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder" – artigo 78, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.

Neste particular, o auto de infração de trânsito do qual não cabem mais recursos em processo administrativo constituir-se-á em crédito não tributário (penalidade de multa), de acordo com o artigo 39, 2º §, da Lei 4.320/19. Esgotado o prazo fixado para o seu pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular, poderá ser inscrito como dívida ativa na repartição administrativa competente, consoante o artigo 39, 1º §, do diploma legal supra.

Dessa feita, uma vez inscrito na dívida ativa, compete, no caso, ao Estado promover a ação de execução fiscal, que é o meio processual idôneo para receber o crédito constituído, nos termos da Lei 6.380/1980 (Lei de Execução Fiscal - LEF). Cabe ressaltar, a esse propósito, que o artigo 4º, § 4º da LEF confere ao crédito não tributário preferência sobre todos os demais, ressalvados os trabalhistas ou os provenientes de acidentes de trabalho.

Como se vê, não existe justificativa plausível para o atropelamento do devido processo legal perpetrado pelo DETRAN-RJ. Na verdade, valendo-se de meios transversos de coerção dos jurisdicionados, o que o ele intenciona é a auto-executoriedade das multas aplicadas, conduta repudiada de forma pacífica pela jurisprudência.

Da natureza jurídica da multa

A multa é uma receita derivada, de natureza jurídica não tributária, com função punitivo-pedagógica, imposta pela Administração Pública ao jurisdicionado o qual comete um ato ilícito. Diferentemente dos tributos, sua função é, consequentemente, sancionar e educar os cidadãos que violam a lei, neste caso os condutores, jamais servir como ferramenta de arrecadação para o Erário, o que seria uma afronta ao Estado democrático de direito.

Qualquer argumentação no sentido de que a obstrução da vistoria veicular daqueles que possuem débito com a Fazenda Pública serve para tornar efetiva a imposição de multas e garantir a segurança pública não merece prosperar.

Em primeiro lugar, o artigo 8º da LEF dispõe que "[o] executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução", sob pena de penhora dos seus bens (artigo 10), de modo que bastaria tão-somente o ajuizamento da ação de execução fiscal da dívida ativa para afastar qualquer receio de perda de efetividade punitiva.

No que tange ao argumento da garantia da segurança pública, vale frisar que a multa é um forte e inteligente mecanismo preventivo de acidentes, porque atua sobre os condutores infratores em duas frentes: por um lado, ela desenvolve um trabalho pedagógico, punindo pecuniariamente aquele que descumpre a lei; e, por outro lado, o sistema de pontuação na carteira nacional de habilitação (CNH) estabelece um limite objetivo depois do qual o infrator contumaz pode ter a sua licença para conduzir cassada. Assim, ainda que o condutor não sinta imediatamente no bolso as sanções pecuniárias, devido ao natural trâmite processual até a constituição do crédito, persiste a possibilidade de revogação da CNH, nas condições em que a lei estipula.

Aliás, ainda em matéria de segurança pública, a realização de vistorias anuais representa uma garantia de segurança para os demais cidadãos (pedestres e condutores) de que nas vias públicas do estado do Rio de Janeiro não trafegam veículos que lhes exponham a situações periclitantes e – por que não? – uma garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225 da CRFB). Destarte, com a devida vênia, até um mentecapto que não esteja mal intencionado tem consciência de que não faz o menor sentido proibir o licenciamento anual por questão de segurança pública! Isso é tão paradoxal e absurdo quanto interromper o serviço de iluminação pública de uma rua, porque um morador não pagou a contribuição social de iluminação pública, alegando que o corte servirá para evitar o aquecimento global.

Em última análise, o fato gerador da multa de trânsito é um ato ilícito praticado pelo condutor, ao contrário, por exemplo, do imposto sobre propriedade de veículos automotores (artigo 155, inciso III, da CRFB), que tem como fato gerador a mera propriedade de um automóvel. Enquanto que, no primeiro caso, tem-se uma sanção direcionada ao infrator da lei e, portanto, de caráter subjetivo – tanto é assim que, em sede de recurso administrativo, é lícito indicar o real condutor/infrator para fins de retransmissão da responsabilidade –, no último caso, a natureza da obrigação é objetiva do proprietário, inclusive quanto a débitos pretéritos à aquisição da propriedade.

Logo, porque nenhuma pena passará da pessoa do condenado (artigo 5º, inciso XLV, CRFB/1988), o não pagamento da multa não pode ser invocado como razão de impedimento da vistoria anual, pois terceiros que eventualmente utilizem o veículo ficarão impedidos de fazê-lo, ante a sua situação irregular.

Das sanções políticas

Ao lume deste caso concreto, constata-se que o Estado vem lançando mão do expediente das multas de trânsito, por intermédio do DETRAN-RJ, com finalidade fiscal. Ou seja, ele deturpa deliberadamente a natureza jurídica da multa com o objetivo de custear as suas despesas com sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito, o que deveria ser feito por meio da arrecadação tributária.

Entretanto, mais grave do que simplesmente atribuir finalidade diversa à multa, qual seja a de tributo, é o fato de que o DETRAN-RJ recorre a meios oblíquos para lhes dar auto-executoriedade. As sanções políticas, como tal subterfúgio também é designado, conforme já se salientou, é repudiado pela jurisprudência nacional de modo uníssono.

Nessa linha de entendimento, no RMS 9.698/GB de relatoria do Ministro Henrique D'Ávila, o STF vincou posição no sentido da inconstitucionalidade das sanções políticas, senão vejamos:
NÃO É LÍCITO AO FISCO INTERDITAR ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS COM O PROPÓSITO DE OS COMPELIR AO PAGAMENTO DE IMPOSTOS OU MULTAS. OS CONTRIBUINTES TÊM O DIREITO DE IMPUGNAR A LEGITIMIDADE DOS DÉBITOS FISCAIS, QUANDO CONVOCADOS, PELOS MEIOS REGULARES, A SATISFAZÊ-LOS. RECURSO DE MANDADO DE SEGURANÇA. SEU PROVIMENTO.
As sanções políticas foram, igualmente, objeto de apreciação na Súmula 323 do STF, onde ficou consignado que "[é] inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos." Inclusive, o próprio artigo 150, inciso IV, da CRFB torna defeso a utilização de tributo com efeito de confisco.

Assim sendo, não assiste razão ao DETRAN-RJ em persistir na violação ilegal e abusiva do direito líquido e certo dos jurisdicionados à realização do licenciamento anual do seu veículo, vez que é matéria pacífica no STF a inconstitucionalidade das sanções políticas.

Do exercício arbitrário das próprias razões

Em declarações anteriores, o DETRAN-RJ buscou fazer crer que executa "mero mecanismo de controle e fiscalização do cumprimento da legislação de trânsito no exercício do poder de polícia que é atribuído pela Constituição Federal aos três níveis da Federação", o que está longe da realidade. Sem embargo, a autarquia estadual parece olvidar que o seu poder de polícia não inclui o de atropelar os direitos e garantias individuais dos cidadãos.

Com efeito, o controle de infrações de trânsito há de ser realizado por mecanismos outros – v.g., a revogação da habilitação para conduzir e a ação de execução fiscal –, do contrário estar-se-ia diante de flagrante excesso punitivo patrocinado pelo Estado. A bem da verdade, ao condicionar a realização da vistoria ao pagamento de multa, o DETRAN-RJ acaba por incorrer no crime de exercício arbitrário das próprias razões, tipificado no artigo 345 do CP.

Sendo inquestionável que a justiça com as próprias mãos configura uma conduta ilícita, ressalvadas as situações excepcionais definidas em lei, não pode o DETRAN-RJ continuar a entravar o licenciamento anual do automóvel dos proprietários, porquanto esse é um direito líquido e certo decorrente das garantias fundamentais à liberdade e à propriedade, previstas no artigo 5º, caput, da CRFB.

Conclusão

Diante dos argumentos acima invocados, deve o Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade dos artigos 124, inciso VIII; 128; 131, § 2º, do CTB, bem como do ato normativo editado pelo DETRAN-RJ com respaldo nesses artigos, por contrariar a CRFB, nomeadamente nos artigos 5º, caput (direito à liberdade e à propriedade), inciso LIV (princípio do devido processo legal) e inciso XLV (proibição da transferência da pena da pessoa do condenado); 150, inciso IV (proibição do tributo com efeito de confisco); e 225 (garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado).



sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

STJ decide que Google não é responsável por material publicado no Orkut

"O Superior Tribunal de Justiça tirou um enorme peso das costas do Google, ao decidir que a empresa americana não pode ser responsabilizada por conteúdo publicado por internautas no Orkut. A decisão foi fruto de um pedido de indenização de uma mulher, aceito em primeira instância, mas indeferido pelo STJ. O tribunal, no entanto, confirmou a determinação de que todo o material ofensivo seja excluído."


A teoria da responsabilidade civil hoje aplicada às relações de consumo é a teoria do risco criado (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor), que pode ser entendida como "aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo" - Caio Mário.

O fato de o STJ ter entendido, no entanto, "que as obrigações do Google se restringem a disponibilizar na rede as informações e garantir o sigilo e segurança dos dados dos usuários" é muito ruim, pois ignora o dever do fornecedor de serviços de buscar métodos idôneos para prevenir danos a terceiros, como a proliferação de perfis anônimos ou fakes.

A Constituição, inclusive, é clara sobre a liberdade de manifestação do pensamento: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (art. 5º, IV). Ou seja, as pessoas devem ser livres para dizerem o que pensam, mas não podem fazê-lo de forma anônima e os fakes são nada menos que uma forma de anonimato.

A alegação de que a fiscalização prévia, por outro lado, não seria uma dessas obrigações, "eliminaria um dos maiores atrativos da internet, que é a transmissão de dados em tempo real" e acabaria com o seu dinamismo é muito perigosa, pois pode conceder uma carta branca aos fornecedores desses serviços para não fiscalizarem a autencidade dos perfis das suas redes sociais.

Não se defende aqui a teoria do risco integral, uma exacerbação da teoria do risco criado, que terminaria por responsabilizar as redes sociais solidariamente por quaisquer danos decorrentes das relações interpessoais advindos do seu negócio.

Problemático é quando o fornecedor não realiza o controle devido da idoneidade dos dados cadastrais da sua rede, impedindo que as vítimas de ataques pessoais busquem a reparação judicial do dano sofrido, por não saberem precisar a identidade do autor do ato ilícito e, por consequência, o polo passivo da demanda.

Ao definir que a única obrigação do Google é disponibilizar nas redes as informações, fornecer segurança e sigilo, e que ao fazer o controle preventivo dos dados acabaria com o seu dinamismo, o STJ abre temerário precedente para a promoção de grave descontrole e injustiça. Não é necessário controle preventivo dos dados, mas da sua fonte emissora e rapidez na remoção dos conteúdos ilícitos, sob pena de, agora sim, concorrer solidariamente para o dano, ainda que originário de fontes não-anônimas.

A concepção atual é a de que nas relações jurídicas travadas, em sede de responsabilidade civil, deve ser a vítima, e não o autor do ato ilícito, o centro das preocupações do Direito. Portanto, se alguém, servindo-se de perfil anônimo, postar algo no Orkut que venha a causar danos à honra de outrem, em não sendo possível identificar o ofensor, não é admissível que a vítima tenha de suportar o prejuízo.

A função do Direito é buscar a justiça e, em assim sendo, se não se pode apontar um responsável direto e imediato pelo dano, o mais justo que se espera é a solidarização da responsabilidade pelos membros da comunidade, incluindo o Google que participa da comunidade como fornecedor.

Imaginemos se todos criássemos um perfil anônimo, de modo que não pudéssemos ser rastreados, e realizássemos ataques à honra uns dos outros. Como ficaria a proteção jurídica das vítimas diante da injusta agressão sofrida? Nesse sentido é que a doutrina moderna vem trabalhando com a concepção de causalidade alternativa. Nessa esteira, leciona Sergio Cavalieri Filho, a saber:


Há quem se oponha veementemente à responsabilização do grupo sem que exista prova de participação de todos os seus integrantes. Mas, na sociedade moderna, em face da massificação das relações sociais, empresariais e profissionais, e dos riscos sociais cada vez maiores, não será justo, nem razoável, deixar a vítima sem a correspondente indenização por não ter sido possível apurar quem, no grupo, deu causa direta e imediata ao evento. Evidenciado o vínculo comunitário entre os membros do grupo, todos os possíveis autores devem ser considerados responsáveis solidariamente, face à ofensa perpetrada à vítima por um ou mais deles.¹
Em seguida, o jurista colaciona uma jurisprudência da 4ª Turma do STJ (REsp 64.682/RJ) que condenou todos os moradores do prédio a indenizarem a vítima de um objeto lançado de uma de suas janelas.

A meu ver, é indubitável o vínculo comunitário, onde o Google participa na qualidade de fornecedor do serviço, incumbindo a todos solidariamente a responsabilizadade, não lhes sendo negado o direito de regresso, juntamente com o encargo da apuração da identidade por trás do perfil do ofensor.


1. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 62-63.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Cobrança abusiva nos shopping centers no Estado do Rio de Janeiro

Desde 07/01/2011 está proibida a cobrança de preço único na tarifa de estacionamento, em virtude da Lei Estadual (RJ) 5.862/2011, devendo a cobrança de preço mínimo ser convertida em frações de tempo a cada meia-hora. Assim sendo, a cada meia-hora o valor do preço pelo estacionamento deverá ser reajustado, proporcionalmente ao tempo de uso.

A ordem econômica brasileira é regida pelo princípio da boa-fé e pelo equilíbrio na relação entre consumidores e fornecedores, todavia o que se observa é que alguns shopping centers ainda insistem em aplicar a política de preços únicos, como subterfúgio para burlar a lei, e alguns audaciosos até mesmo aumentaram a tarifa do estacionamento em 100%, não obstante o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a saber:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(...)
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Vê-se logo que, acima de tudo, a nova lei fluminense ingressou no mundo jurídico para corrigir uma situação de grave distorção, que atentava contra o princípio constitucional da isonomia de tratamento (ou princípio da igualdade), consagrado no art. 5º, caput.

É dizer, não pode o fornecedor fazer distinção de preço aos consumidores por um serviço idêntico (v.g.: um shopping cobrar 5 reais por 1 hora de estacionamento de A e 3 reais por 1 hora de estacionamento de B), tampouco cobrar preço idêntico a clientes que tenham utilizado de um serviço em proporção desigual (v.g.: o cliente A que estaciona por 25 minutos pagar 5 reais e o cliente B que estaciona por 4 horas pagar os mesmos 5 reais), ainda que, à luz do postulado da razoabilidade, venhamos vislumbrar situação excepcional.

Aquele que porventura tenha tido seu direito material violado pela cobrança ilegal e indevida da tarifa única ou tem o direito à repetição do indébito igual ao dobro do que pagou em excesso, conforme o art. 42, parágrafo único do famigerado CDC. Para isso, recomenda-se fazer prova da alegação, guardando o recibo do estacionamento, ou na sua impossibilidade requerer a inversão do onus probandi com fulcro no art. 6º, VIII do diploma legal supra.

Um forte abraço.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A afixação de símbolos religiosos em órgãos públicos

Que noventa por cento do país é cristão é um fato. Isso, contudo, não legitima a imposição da maioria às minorias de tolerarem a difusão de valores de um dado segmento religioso por órgãos estatais seja através de atos de seus agentes, seja de atos próprios (v.g., feriados religiosos), porque isso é o mesmo que dizer por vias oblíquas que os demais, como minorias, não estão em mesmo patamar de igualdade.

O fato de essas manifestações repetirem tradições históricas da cultura brasileira não as impedem de deflagrarem práticas inconstitucionais. Como exemplos não exaustivos disso temos a discriminação social e o fisiologismo, ambos marcas registradas de inegável identidade nacional e que, nem por isso, podem ser legitimamente reivindicados, haja vista não serem albergados pela Constituição nem implicitamente.

A afixação de crucifixos ou quaisquer outros símbolos religiosos em repartições públicas constituem uma afronta direta à Constituição, em especial aos art. 5º, caput; art. 19, inciso I; e, ao art. 37, caput. Não existe confusão entre Estado ateu e Estado laico nisso, pois não se propõe que o ateísmo seja abraçado pelo Estado como orientação oficial. É justamente pelo pensamento que as questões religiosas devem ser mantidas à margem do Estado que se vislumbra as inconstitucionalidades supramencionadas.

Tomemos como exemplo os tribunais de justiça brasileiros. O art. 92 da Constituição diz que são órgãos do Poder Judiciário os tribunais e os juízes - Em tempo, chamo atenção para a impropriedade do termo no que se refere aos juízes. Órgãos são repartições da Administração Pública desprovidas de personalidade jurídica, subjacentes aos entes federativos e sobrejacentes aos agentes públicos. Os juízes, por natureza pessoas físicas, pertencem a essa última classe.

Em sabendo que a Administração Pública é regida pelo princípio da impessoalidade, que pode ser entendido como aquilo "que não pertence a uma pessoa em especial", e que os órgãos públicos são compartimentos onde o Estado manifesta a sua vontade através dos seus agentes, fica evidente o desvio no exercício da função pública quando o juiz caracteriza o órgão público onde exerce seu mister com um símbolo religioso.

Repartições públicas não são propriedades privadas, não são o domicílio de ninguém e, pois, não se prestam a serem adornadas com quaisquer símbolos religiosos que sejam. Não se trata de criar embaraços à livre expressão de consciência em órgãos públicos, apenas se requer seja ela expressa nos limites de cada individualidade. Um agente público que queira portar um crucifixo no pescoço, usar um quipá, vestir um véu, entre outros, se assim sentir vontade, que o faça, mas, sabendo que inexiste direito de liberdade religiosa absoluta que o permita propagar a sua fé decorando órgãos de Estado.

O fato de sermos um país de tradição cristã, de cultura cristã, de maioria cristã não torna indene a agressão aos princípios que regem a Administração Pública, tampouco daí decorre que o Estado deverá proporcionalmente tolerar essas discriminações. As referências a Deus, a símbolos religiosos e, especialmente, à cruz violam, sim, direitos, estabelecem diferenças onde essas não deveriam existir, e não podem ser havidas como sinônimos de liberdade de consciência.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Isto é democracia

"O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a alteração do pré-nome e da designação de sexo de um transexual de São Paulo que realizou cirurgia de mudança de sexo. Ele não havia conseguido a mudança no registro junto à Justiça paulista e recorreu ao Tribunal Superior. A decisão da Terceira Turma do STJ é inédita porque garante que nova certidão civil seja feita sem que nela conste anotação sobre a decisão judicial. O registro de que a designação do sexo foi alterada judicialmente poderá figurar apenas nos livros cartorários."

Leia mais em:
http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1971676/transexual-consegue-alteracao-de-nome-e-genero-sem-registro-da-decisao-judicial-na-certidao



Esta postagem tem o objetivo de aplaudir os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que por unanimidade de votos, aprovaram a alteração do nome e do sexo no registro civil público de um transsexual de São Paulo, proporcionando uma bela demonstração de cidadania e de promoção da dignidade da pessoa humana. Cuida-se de acórdão, que merece todo o nosso louvor e o endosso da população brasileira, principalmente pela aplicação da interpretação conforme a Constituição.

Para os desatentos, presencia-se um marco histórico brasileiro, uma importante página da nossa história sendo escrita diante dos nossos olhos. A decisão do STJ é lapidar pelo sopro alvissareiro e de esperança de um mundo mais plural e com mais alteridade, onde o cidadão é respeitado simplesmente por sua condição de ser, não de ter. Não tenho dúvidas de que as gerações vindouras encararão esta decisão de hoje como algo trivial e desprovido de grande relevância, algo já banal dentro de seu conceito médio de normalidade, mas isso não passa de um reflexo do que nos mostra a experiência humana. Na maioria das vezes, os saltos qualitativos na existência humana neste planeta são devidos menos aos grandes acontecimentos e mais aos pequenos passos reiterados.

Com efeito, conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, aqueles que exercem função pública têm justamente esse poder-dever (que não é só um poder, mas também um dever) de promover a transformação social pela mudança de mentalidades, e não há meio mais rápido e eficaz de mudá-las, senão quando elas se dão pela via institucional. A "mão" do Estado é muito pesada e suas ações, queiramos ou não, têm reflexos muito agudos no seio da sociedade.

Meus sinceros aplausos aos ministros do STJ, outra vez.